Clara, que nunca saía de casa sem o seu suéter amarelo, resolveu que hoje não o levaria, mas se vestiria com seu sorriso mais leve e manso. Vestiu, pois, o seu sorriso encatador, maquiou-se de ternura, perfumou-se de doçuras e, então, saiu de seu mundo para passear em outro mundo. Era um mundo desconhecido por ela, um mundo onde sonhos tornavam-se realidade, as flores, assim como as de plástico, não morriam, as pessoas se gostavam de verdade e estavam sempre sorrindo, as ruas eram bordadas de fantasia e encanto, o medo não existia, os erros eram encarados como desafios e sempre se perdoava, com total sinceridade, qualquer falta do outro.
Clara ficou maravilhada com o novo mundo. Escorregou pela grama, dançou na chuva, sorriu verdadeiramente para as pessoas e sentiu-se mais viva. Não tinha mais vontade de voltar pra o seu mundo. Não queria deixar de sorrir, pois havia descoberto o bem que isso lhe fazia. Queria ficar e deliciar-se com as guloseimas do outro mundo.
Mas Clara sabia que não tinha como ficar ali para sempre. Havia deixado, no seu mundo, a sua outra vida, o seu suéter amarelo, sua família, a sua maltês - Lisbela. Mas tinha deixado, principalmente, as suas angústias, os seus traumas e as suas barreiras. Ao embarcar para o novo mundo, Clara levara somente o que tinha de bom: o sorriso, a ternura e a doçura. E agora tinha que voltar para a sua realidade.
Voltou. E constatou que as coisas continuavam como ela tinha deixado. Não exatamente, pois o seu suéter estava lavando, Lisbela estava passeando com os pais de Clara. Temia, agora, deparar-se com as outras coisas que tinha deixado: angústias, medos e barreiras. E deparou-se! Exatamente onde estavam. Clara tomou consciência, então, que esses fantasmas que a assombravam só tomavam forma quando ela permitia. Que se ela recusa-se a levá-los com ela, como fez quando visitou o outro mundo, eles não tinham força pra segui-la e perturbá-la. Mesmo que ainda estivesse tomada por um certo receio, Clara resolveu fazer uma experiência: iria sair de casa e passear. Mas faria como fez no outro mundo, levaria apenas o que ela tem de bom; deixaria as coisas nebulosas guardadinhas em uma caixinha.
Assim o fez. Armou-se de seu sorriso e propôs-se a aceitar todas as delícias da vida. A um primeiro impacto, ficou desanimada, pois os sonhos nem sempre eram reais, as flores morriam, as pessoas podiam ou não se gostar, as ruas eram tortas e feias, e todos se julgavam a todo instante. Mas Clara não quis voltar pra casa, como sempre fazia quando se deparava com as adversidades. Resolveu sorrir. Simplesmente sorrir. E atreveu-se a dizer a um estranho: "Quem há de negar que é bom dançar, que a vida é bela?". Dançou com a vida, com quem se arriscava a parar pra acompanhá-la e dançou sozinha. Encheu-se de vida e percebeu que as flores morriam, mas sempre existia uma outra mais bonita, e uma outra mais e a outra mais ainda. Entendeu que não era mais importante gostar de todo mundo, mas, sim, gostar verdadeiramente, independente da quantidade. E que o colorido do mundo dependia dela, de como ela encarava os dias cinzas e as ruas feias. Voltou pra casa encantanda. Entrou e cobriu sua mãe e Lisbela de carinho. Colocou o seu suéter amarelo, que sempre fora seu fiel companheiro e sentiu o cheiro de vida, de delicadeza, de doçura. Sentiu-se tão viva quanto da outra vez que tinha visitado o outro mundo. Conseguia enxergar um horizonte distante. Um amparo, uma luz.
Clara, a menina que agora tinha consciência de moça, mas ainda sonhos de menina, disse pra si mesma que era bom viver. Por mais nebuloso que fosse, às vezes, por mais que as partidas doessem e que os sonhos se desmoronassem com uma espantosa frequência, era bom viver. Tinha quase certeza.